O que autonomia de times tem a ver com excelência industrial?

*Por Salvador Marino, diretor industrial da Tetra Pak Brasil 

Não é novidade que toda e qualquer indústria, de qualquer que seja o setor, tem a necessidade, ainda mais agora, de otimizar a sua produtividade. Isso passa por diminuir custos ou eliminar perdas desnecessárias de recursos, mantendo ou até aumentando a capacidade de produção sem que a qualidade final dos produtos e o nível de serviço aos clientes sejam comprometidos.

Neste contexto, destaca-se a metodologia TPM (Total Productive Maintenance) que vem, há muitos anos, firmando-se como uma abordagem fundamental para a promoção da eficiência operacional em ambientes fabris, recheados de máquinas e equipamentos cada vez mais complexos, além, é claro, de outras questões igualmente relevantes, como a qualidade, a segurança no trabalho e, mais atualmente, a responsabilidade ambiental nas indústrias.

O TPM foi desenvolvido por Seiichi Nakagima no período pós Segunda Guerra Mundial, entre os anos de 1950 e 1970, e hoje é promovido pelo Japan Institute of Plant Maintenance (JIPM), uma referência global em excelência industrial. Quando se fala sobre esta metodologia, que pode ser traduzida por Manutenção Produtiva Total, logo nos vêm à mente justamente os conceitos de manutenção planejada dos equipamentos e a melhoria focada dos processos produtivos, para citar alguns poucos exemplos. Em um primeiro olhar, dificilmente aparece um outro fator-chave para o sucesso de sua implementação: o fator humano, ou seja, todas as pessoas envolvidas neste processo. O próprio JIPM define que o TPM se trata de um método centrado nos equipamentos e nas pessoas para melhoria de produtividade a fim de erradicar perdas e reforçar os alicerces da produção. O envolvimento de toda a organização é um parâmetro de avaliação muito importante que o JIPM leva em consideração.

Com base em tudo que expus até aqui, vou compartilhar nossa experiência de sucesso na aplicação do TPM aqui na Tetra Pak do Brasil, que começou há mais de 23 anos. Iniciamos esta jornada em 1999 em nossa planta localizada na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, escolhida para este fim justamente por ter sido recém-inaugurada. Logo depois, no ano seguinte, expandimos a aplicação do TPM para nossa outra fábrica, em Monte Mor, no interior de São Paulo, esta inaugurada em 1978.

Essa jornada foi uma verdadeira transformação de cultura em nossas duas fábricas. Ela se focou em grande parte no desenvolvimento da autonomia das pessoas e dos times e na descentralização de decisões, de forma que cada indivíduo passou a ter responsabilidades diretas para gerenciar as operações diárias, identificar problemas e propor soluções de melhoria.

Isso só foi possível com um investimento muito grande na educação e treinamento das pessoas, buscando seus desenvolvimentos profissionais e pessoaisl dentro de nossa organização, desta forma, permitindo que pudéssemos delegar mais responsabilidades, independente da função exercida, fosse operando uma máquina, dirigindo uma empilhadeira ou executando qualquer função administrativa.

À medida que mais responsabilidades são delegadas, mais as pessoas são expostas a situações de colaboração com demais indivíduos, gerando mais interações e ainda mais aprendizado, num círculo virtuoso.

A autonomia de times é um pilar importante dentro da metodologia TPM. Embora a gestão de pessoas não venha diretamente à cabeça quando se fala deste assunto, ela é primordial para a melhoria de resultados.

Ao mesmo tempo em que investimos ao longo destes anos em equipamentos modernos da mais alta tecnologia, também adotamos, sim, uma estratégia para a transformação digital da nossa tecnologia - com conceitos modernos da Indústria 4.0 - nos nossos processos. Mas, mais importante, levamos em conta a transformação das nossas pessoas, essencial para o domínio destas novas tecnologias, e as tornamos autônomas, a fim de operarmos em total harmonia – como uma orquestra mesmo – para nossas fábricas entregarem a mais alta performance e contarem com equipes muito mais engajadas, conquistando assim o mais alto nível de aplicação do TPM, reconhecido pelo JIPM.

Os resultados desse trabalho de mais de duas décadas? A fábrica da Tetra Pak Brasil em Monte Mor tornou-se, no primeiro semestre deste ano, a primeira unidade fabril da companhia nas Américas a receber a prestigiada certificação “World Class Award” do JIPM. Esse é o nível mais alto da certificação e foi concedido após diversas auditorias na unidade ao longo de 2022. A fábrica de Ponta Grossa também foi premiada pelo JIPM este ano, com o prêmio “Advanced Special”, quarto nível dentre cinco da certificação. Esta foi a segunda vez que Ponta Grossa obteve o Advanced Special, depois de passar por um grande investimento que duplicou sua capacidade em 2014, com novos equipamentos, novos produtos e mais colaboradores. Assim como Monte Mor, estamos no caminho para, daqui a três ou quatro anos, buscarmos o reconhecimento máximo também em nossa planta de Ponta Grossa.

Nesta jornada de longo prazo para obtenção do reconhecimento, embora o TPM se estruture em oito pilares, nas nossas fábricas implementamos 11, a fim de que pudéssemos dar mais foco em temas relevantes como Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, além de poder expandir para todas as áreas administrativas da fábrica, por exemplo.

E como mudar toda uma cultura organizacional? A resposta a este questionamento certamente será distinta para cada empresa. Em nosso caso, tivemos muito sucesso ao investir em capacitação dos times e definir metas envolvendo a todos, com indicadores bem definidos para cada atividade e prazos para alcançá-las. E para engajar os times, adotamos um sistema de reconhecimento padrão, fazendo benchmarking com outras empresas, conforme essas metas fossem atingidas.

Com metas e funções bem definidas, além de capacitação e uma mobilização para que cada indivíduo estivesse inteiramente envolvido, sentindo-se “dono” do processo que estivesse sob sua incumbência, engajamos todos na busca pela excelência.

A implementação do TPM tem obtido tanto sucesso em nossas fábricas que se tornou parte da nossa estratégia já faz algum tempo. Além disso, o TPM se tornou um negócio para a Tetra Pak, ofertado em nossa divisão de Serviços Técnicos para nossos clientes. A partir da nossa experiência, temos apoiado diversos parceiros, de diferentes indústrias, a terem um olhar holístico para, sistematicamente, maximizarem a produtividade a partir do controle de perdas da indústria. E como resultado, temos conquistado casos de sucesso de clientes no que diz respeito a reduzir ao máximo possível ou até mesmo erradicar as suas perdas, seja de material, qualidade ou produtividade, elevando a segurança e nível de serviço, entregando no tempo certo, com o menor custo e melhor qualidade. Pois essa é a essência da filosofia do TPM: buscar sempre o zero! Zero acidentes, zero perdas de matéria-prima, zero problemas de qualidade.

Não existe uma fórmula certeira. Mas pela minha experiência, posso dizer que as chances de sucesso são muito maiores quando os colaboradores são capacitados a tomar decisões e a contribuir ativamente para o aprimoramento dos processos e se tornam parte integral do esforço de promover boas práticas no ambiente fabril. Essa mentalidade de equipe autônoma e engajamento é essencial para a implementação eficaz do TPM. Excelência industrial tem tudo a ver com gestão de pessoas.