Adaptação climática da indústria de alimentos é caminho sem volta

* Por Marco Dorna

A indústria de alimentos e bebidas tem a faca e o queijo nas mãos. Para bem, ou para o mal. Isso quando pensamos na emergência climática que o mundo enfrenta e que, além de medidas de mitigação, demanda ações de adaptação imediatas.

Sabemos que, infelizmente, há efeitos ambientais e climáticos negativos que não têm mais retorno. Ou seja, que temos de nos adaptar e viver da melhor maneira possível com eles e, no caso de acesso a alimentação, isso significa buscar inovações e tecnologias que elevem a produtividade sem, ou quase sem, emissões de gases de efeito estufa e desperdícios.

Como tenho defendido, não há espaço para retrocessos quando o assunto é economia sustentável, trata-se de uma responsabilidade que envolve governos, sociedade e setor privado, mesmo que ainda existam posicionamentos contrários.

Falar sobre adaptação neste momento, além de necessário, é urgente. Aqui alguns dados empíricos: o Brasil, por ter uma economia bastante atrelada a recursos naturais e ter uma boa parcela de sua população vivendo em áreas de risco e zonas costeiras, está entre os países mais vulneráveis às mudanças climáticas segundo o Atlas Digital de Desastres do Brasil. Entre 2014 e 2024, eventos como desastres meteorológicos, climáticos, entre outros, afetaram quase 131 milhões de pessoas diretamente e causaram prejuízos de mais de R$ 568 bilhões apenas no setor privado.

Ainda segundo o Atlas, 84% dessas perdas privadas vieram dos segmentos de agricultura e pecuária. Ou seja, R$ 477 bilhões escorreram pelo ralo.

Como fica claro, a adaptação é importante sobretudo por conta das pessoas e toda forma de vida que é atingida por ela, mas também para os negócios. Não por menos, o próprio governo federal tem trabalhado em planos de adaptação, envolvendo 16 setores, entre eles agricultura e pecuária; biodiversidade; segurança alimentar e nutricional. Em tempo, ainda mais com a proximidade da COP 30, a ser realizada no final do ano em Belém (PA).

Para o setor privado, em especial da indústria de alimentos, há saídas mapeadas para adequações climáticas que envolvem tecnologia, inovação e Natureza, claro. Estou falando de cadeias de abastecimento mais resilientes, busca por ingredientes alternativos e sustentáveis e trabalhar com soluções baseadas na natureza, com menores impactos hídricos, por exemplo.

A tecnologia também é fundamental, já que por meio dela pode-se ter maior precisão na antecipação de riscos climáticos e preparar ações de prevenção. Também há a busca por embalagens mais sustentáveis e processos produtivos que ajudam a reduzir perdas e aumentar a eficiência do uso de recursos.

Um modelo bastante recente que eu posso citar, e que acompanhei de perto seu desenvolvimento, é o novo conceito de pasteurização de sucos, capaz de reduzir em 65% o uso de vapor no processo de pasteurização - menor emissões de gases de efeito estufa - e cortar em 92% os desperdícios na produção, gerando ganhos sustentáveis e financeiros.

O mundo já encara crescente insegurança alimentar por conta de riscos climáticos também. A indústria de alimentos, bem como governos e sociedade, pode assumir papel de protagonista para o enfrentamento desse quadro.
Não é um caminho fácil, muito menos trivial porque depende de diversos fatores, inclusive financeiros. Mas é necessário entender que atuar para adaptar-se à essa nova realidade é uma estratégia de resiliência social e econômica.

*Marco Dorna é presidente da Tetra Pak.

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