Inovação alimentar e seu papel complementar sustentável

Por Marco Dorna*

Tenho reforçado neste espaço como inovação e tecnologia estão diretamente ligadas à sustentabilidade no setor de alimentos e bebidas. Seja por meio de máquinas e equipamentos mais eficientes, seja por novas formas de interagir com a natureza de maneira responsável e economicamente viável. Hoje, sigo nessa linha para abordar um tema que vem ganhando relevância global: os avanços na produção de novos tipos de alimentos conhecidos como "New Food."

O conceito de "New Food" - ou "Novel Food", como é chamado internacionalmente - refere-se a alimentos ou ingredientes que não tinham histórico de consumo significativo em determinada região antes de um marco regulatório. Na União Europeia, esse marco foi estabelecido em 1997 e, desde então, tem servido como base para pesquisas e desenvolvimento de novas soluções alimentares, como proteínas alternativas, óleos e gorduras inovadoras.

É justamente nas proteínas alternativas que quero me aprofundar. Elas representam uma oportunidade concreta para enfrentar a insegurança alimentar em regiões vulneráveis ou sob ameaça. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo terá cerca de 10 bilhões de pessoas até 2050 - quase dois bilhões a mais do que hoje - e todas precisarão de alimento. Ao mesmo tempo, enfrentamos o desafio de manter, ou até reduzir a área cultivável, a fim de evitar o agravamento da crise climática e seus impactos no longo prazo.

Como líder de uma empresa com atuação direta no sistema alimentar, tenho acompanhado de perto o avanço de tecnologias como a "fermentação de precisão". Essa técnica permite o cultivo de micro-organismos para desenvolver proteínas com alto valor nutricional, que podem complementar - e em alguns casos substituir ao menos em partes - a demanda por proteínas de origem animal tradicional, como bovinos, aves e suínos.

Embora ainda em fase de desenvolvimento, essa tecnologia tem demonstrado alto potencial e chamado muito a atenção de investidores no mundo. Relatório recente da consultoria McKinsey aponta que proteínas fermentadas podem representar cerca de 4% da produção total de proteínas até 2050, o que equivale a um mercado anual entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões, dependendo das políticas climáticas e da velocidade de inovação tecnológica.

As vantagens prometem ser relevantes: produção controlada, flexibilidade geográfica, menor exposição a riscos climáticos e redução da pegada de carbono. Além disso, há menor consumo de água e terra para fabricar proteínas de alta produtividade e valor nutritivo.

Apesar do potencial da fermentação de precisão, é importante reconhecer que sua adoção em mercados como o brasileiro ainda enfrenta grandes e específicas barreiras - especialmente no segmento de proteína animal (carne e leite, por exemplo), onde o país é referência global em produtividade e competitividade.

O Brasil possui uma das cadeias agroindustriais mais eficientes do mundo, com infraestrutura robusta, clima favorável e know-how consolidado na produção animal, o que torna os sistemas convencionais altamente competitivos em escala e custo. Nesse contexto, tecnologias emergentes, como a fermentação de precisão, ainda precisam superar desafios como o alto custo de produção, a ausência de uma regulação específica e a dependência de insumos importados. Além disso, a forte identidade cultural do consumidor brasileiro com alimentos tradicionais e o avanço de outras alternativas, como proteínas vegetais, tornam o caminho da fermentação mais gradual.

Apesar de parecer um contrassenso em um primeiro momento, parece-me que novas tecnologias como a fermentação de precisão não diminuem o papel estratégico do Brasil como protagonista na construção de sistemas alimentares mais resilientes e sustentáveis.

Ao contrário, reforça ainda mais a oportunidade que temos como país de liderar esse processo em escala global ao integrar inovação de ponta com a força produtiva e capacidade incomparável já existentes em nossa cadeia de alimentos e bebidas, criando pontes entre o que já fazemos bem e o que podemos fazer ainda melhor.

*Marco Dorna é presidente da Tetra Pak Brasil

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