2024-02-08

Sustentabilidade não é apenas um departamento dentro das empresas. Ou não deveria ser

A COP 30, que será realizada no Brasil, é um evento emblemático que pode unificar e mobilizar mais agentes econômicos privados na busca de alternativas que combatam a crise climática e suas consequências

Marco Dorna, presidente da Tetra Pak Brasil

Marco Dorna*

Publicado originalmente no broadcast do Estadão**

 

A questão climática e seus reflexos já danosos ao dia a dia das pessoas é uma das pautas mais urgentes e caras à nossa sociedade. E, em especial no Brasil, há uma oportunidade única de engajamento no horizonte próximo: a COP 30, que será realizada em Belém (PA) no final de 2025 e que abre um vasto campo de oportunidades e incentivos para que diferentes agentes econômicos e sociais façam parte ativa do combate ao aquecimento global e suas consequências produtivas e sociais.

Neste contexto, o setor privado tem papel fundamental, e junto com o poder público e o terceiro setor, não pode se eximir da responsabilidade e acima de tudo da ação.

 A COP é o evento sobre mudanças climáticas mais relevante do mundo, onde lideranças governamentais, empresariais e sociais se unem para buscar soluções que preservem o meio ambiente e tragam bem-estar à população, em especial à mais vulnerável. Claro que o debate não é simples dado os interesses políticos e econômicos de cada grupo no atual cenário de riscos geopolíticos globais. Apesar disso, evoluções nos tratados foram vistas sobretudo no passado mais recente. 

 

As COPs derivaram da conferência Rio-92, ou Eco-92, que aconteceu no Rio de Janeiro no início da década de 1990. A primeira delas aconteceu em Berlim (Alemanha) em 1995 e, vinte anos depois, na COP na França foi fechado o famoso Acordo Paris que, em resumo, colocou como limite o aquecimento global a até 1,5°C comparado à temperatura média pré-industrial. 

 

Na prática, alcançamos avanços que podem ser considerados tímidos na melhor das hipóteses, ao passo que boa parte de cientistas climáticos eleva o alerta de que estamos cada vez mais próximos de pontos sem retorno. Ou seja, que não conseguiremos mais frear o aquecimento global nos limites pretendidos e teremos de arcar com consequências graves para a vida humana e, obviamente, toda e qualquer atividade econômica. 

 

As oportunidades que temos aqui no Brasil com a COP 30 vão desde projetos que estão ou serão desenvolvidos pelos governos federal e regionais -buscando soluções sustentáveis perenes em todo território nacional- até a chance de o país liderar o processo de transição energética de baixo carbono. Tal ambição se alinha a nosso potencial e protagonismo nesta arena: vide nossa vocação e bases naturais sólidas e geração de energia renovável.

 

Toda e qualquer grande transformação demanda liderança e ação política. Claro que não falo de política partidária, mas sim de propósitos mais universais que devem vencer barreiras de diversas ordens, inclusive a temporal. 

 

Se no setor público falamos muitas vezes de “vontade política”, no mundo corporativo versamos sempre sobre “o poder da ação”. Como nação, sabemos que nossa prosperidade depende do estabelecimento de um claro Projeto de País. Já nas empresas traduzimos nossas ambições de longo prazo em planos estratégicos plurianuais.

 

A questão climática é por definição um problema complexo. E não existem soluções simples. O aquecimento global não será revertido ou combatido por uma nova startup ou algum bilionário com uma ideia disruptiva que descarbonizará o planeta em um click. Ou, pelo menos, não podemos contar com isso como hipótese plausível.

 

No setor privado, todos nós temos um papel fundamental a desempenhar e, neste sentido, já há saídas testadas e/ou sendo testadas para que esse alvo seja alcançado. Uma das principais avenidas é observar os negócios a partir das lentes da economia circular, que busca gestões mais eficientes dos recursos naturais existentes, priorizando insumos mais duráveis, reutilizáveis, recicláveis e renováveis. A urgência neste sentido é clara e mais profunda, não se podendo limitar à atuação socioambiental de uma companhia a apenas dentro de seus muros, mas é imperativo que ela seja estendida às suas cadeias de fornecedores e clientes, ou pós-consumo. 

 

Segundo estudo publicado pelo Banco Mundial, a geração de resíduos sólidos urbanos aumentará em todo o mundo, passando de 2 bilhões de toneladas/ano em 2016 para 3,4 bilhões de toneladas em 2050. Pior: globalmente, cerca de 37% dos resíduos são descartados em algum tipo de aterro sanitário, 33% são despejados a céu aberto e apenas 19% passam por reciclagem e compostagem. 

 

No Brasil, o cenário não é muito diferente. Dados do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) mostram que menos de 40% da população têm serviço de coleta seletiva porta a porta. Só para citar uma de nossas condições. 

 

Ao setor privado, atuar no sentido de brecar o aquecimento global é inexorável. Porém sabe-se que a tarefa não é simples por razões importantes –como cifras de investimentos em inovação, que em muitos casos podem ser até inflacionários e encarecer o produto a consumidores. 

 

Durante muito tempo se discute como os consumidores têm se tornado cada vez mais conscientes, demandantes e críticos em relação a produtos, marcas e seus respectivos perfis ambientais. A cada decisão de compra, eles votam pelo mundo que querem ter hoje e amanhã.

 

E não há dúvidas que a preferência destes consumidores cada vez mais antenados representa forte motor para a ação corporativa. Se no passado muitas empresas não se movimentavam sem alguma determinação legal anterior (licença para operar), hoje não há espaço para tal. A sustentabilidade como prática tem de estar no centro de todas as ações estratégicas das empresas, sendo ela a sua licença para liderar e vencer em um mercado cada vez mais competitivo e volátil.

 

Vejo a COP 30 como um Norte, um evento emblemático que pode unificar e convencer mais agentes econômicos privados na busca de alternativas, como parcerias público-privadas e financiamentos verdes. 

 

A sustentabilidade socioambiental definitivamente está na nossa agenda. Especificamente dentro de uma empresa, ela não é apenas mais um departamento. Ou não deveria ser. Ela é a base de todo seu planejamento. 

   

*Marco Dorna é presidente da Tetra Pak.